Síndrome de Guillian-Barré - doença de caráter autoimune que danifica os nervos

Síndrome de Guillain- Barré

A polineuropatia periférica consiste em um dos quadros típicos de acometimento do Sistema Nervoso Periférico, afeta de forma simétrica os nervos periféricos, seus sintomas estão relacionados ao tipo de comprometimento das fibras nervosas, a qual o indivíduo pode manifestar déficits motores; alterações sensitivas e autonômicas. Nesse contexto, a Síndrome de Guillain-Barré (SGB), também denominada como Polineuropatia Idiopática Aguda é um exemplo de agressão ao sistema nervoso periférico. (1)

Dessa forma, essa neuropatia periférica progressiva afeta os músculos do organismo, desde os membros, da respiração e o coração. Habitualmente é descrita por fraqueza ou paralisia que acomete mais de um membro, geralmente é simétrica e associada à perda dos reflexos tendíneos e elevação da concentração de proteínas no líquido cefalorraquidiano. Assim, é considerada como a primeira causa de paralisia flácida após a erradicação da poliomielite. (2)

Essa patologia atinge todas as parcelas da população, ou seja, afeta ambos os sexos; diversas faixas etárias; todas as classes socioeconômicas. Por outro lado, apresenta uma maior prevalência conforme o avançar da idade, com pico entre 70 a 80 anos, e no sexo masculino. (3,4)

A SGB trata-se de uma doença de origem autoimune que provoca danos ao sistema nervoso, a sua etiologia é idiopática, contudo há uma correlação com uma resposta imunológica que organismo realiza em função da infecção, uma a quatro semanas antecedentes aos sintomas neurológicos da síndrome, por agentes infecciosos, principalmente respiratórios ou do trato gastrointestinal, presentes no organismo. (5,6)

Destacam-se como agentes: Campylobacter jejuni, causa mais comum de gastroenterite humana; Citomegalovírus; vírus Epstein-Barr e Mycoplasma pneumoniae; vírus hepatróficos, como vírus da hepatite A, B e C; relação com vacinação para H1N1; associada ao vírus Zika (ZIKV); vírus da imunodeficiência humana (HIV); vírus Chinkungunya. (6)

Diante disso, essa neuropatia resulta de alterações epiginéticas ou de um fator ambiental em um hospedeiro suscetível, estando relacionada à resposta humoral e celular contra epítopos de antígenos expressos por células de Schawan, bainha de mielina e axônios, relaciona-se com mudanças patológicas como desmielinização segmentar de nervos periféricos. Neuropatias como a SBG são mediadas por anticorpos dirigidos contra antígenos da mielina, juntamente com células T e macrófagos, os quais invadem a bainha de mielina, as membranas axonais ou os nodos de ranvier. (6)

A síndrome inicia-se após uma resposta anormal a um patógeno infeccioso que acarreta no mecanismo de mimetismo molecular, as moléculas químicas presentes nos nervos periféricos e raízes espinhais podem apresentar semelhanças estruturais com os antígenos e serem atacadas pelos anticorpos específicos que foram criados devido a infecção. Dessa maneira, ao atacar o sistema nervoso provoca uma lesão na bainha de mielina, estrutura de importância essencial na integridade neuronal que circunda e protege os nervos periféricos garantindo a velocidade de transmissão nervosa. (5,7)

A SGB possui variações, sendo a mais comum a polineuropatia desmielinizante inflamatória aguda (AIDP), a reposta imune danifica o revestimento de mielina e interfere na transmissão dos sinais nervosos, contudo existe outros tipos: neuropatia axonal sensitivo- motora aguda (NASMA); neuropatia axonal motora aguda (NAMA) e síndrome de Miller-Fisher. (8)

A neuropatia axonal sensitivo-motora aguda (NASMA) constitui-se com uma variante axonal da SBG, ao considerar o aspecto clínico e eletrofisiológico inicial é indistinguível da SGB. A doença inicia com anormalidades sensitivas subjetivas nas extremidades e evolução mais rápida da fraqueza generalizada a maioria necessitando de ventilação mecânica (VM). Por outro lado, o prognóstico dessa variante é pior que da SGN, e a maioria dos pacientes manifesta recuperação motora e incompleta, contudo o padrão liquórico usual de proteína apresenta-se elevado sem pleocitose. Além disso, há evidência de infecção recente por Campilobacter jejuni e presença de anticorpos antigangliosídeo, particularmente anti-GM1. Como ambas patologias a diferenciação clínica é impossível, assim o tratamento de ambas é semelhante. (8)

Com relação a neuropatia axonal motora aguda (NAMA) é outra variável axonal da SGB, descrito por início abrupto de fraqueza generalizada, com músculos distais mais gravemente afetados que os proximais. Além disso, há déficits de nervos cranianos e insuficiência respiratória com exigência de VM estão presentes em alguns casos. Ao contrárioda SCG e da NASMA, os sintomas sensitivos estão ausentes e os reflexos tendíneos podem ser normais. (8)

Ainda nessa variação anticorpos anti-GM1 e anti-GD1 são geralmente detectados nesses indivíduos, usualmente associados com infecção por Campilobacter jejuni. Esses pacientes normalmente apresentam boa recuperação, dentro do primeiro ano, porém fraqueza distal residual é comum. Indivíduos com NAMA manifestaram-se uma recuperação mais rápida com a administração de imunoglobulina isolada. (8)

Outra variante de SCB denomina-se como Síndrome de Miller-Fisher, caracteriza-se pela tríade: ataxia, arreflexia e oftalmoplegia. Inicialmente a queixa que apresenta maior frequência é a diplopia, posteriormente ataxia de etiologia provavelmente sensitiva, além dia paresia de outros nervos cranianos, como o sétimo par (facial) pode suceder. Outro sintoma possível dessa síndrome é manifestado por fraqueza apendicular proximal, podendo haver avanço para fraqueza generalizada. Nesse caso, os achados eletrofisiológicos, diferentemente das demais variantes da SGB, a anormalidade mais frequente é a redução das amplitudes do potencial de condução neural sensitiva fora de proporção ao prolongamento das latências distais ou lentificação das velocidades de condução sensitiva. (8)

Com relação à recuperação, frequentemente, ocorre após duas semanas do início dos sintomas apresentando uma progressão benéfica após três a cinco meses. De forma não divergente das demais versáteis da SGB, há evidencia sorológica de infecção por Campilobacter jejuni¸ há anticorpos antigangliosídeo, sobretudo anti-GQ1b. Apesar de que a síndrome de Miller-Fischer seja autolimitada, alguns pacientes podem evoluir para insuficiência respiratória. Em relação ao tratamento utiliza-se imunoglobulina ou plasmaférese. (8)

As manifestações clínicas ocorrem pelo ataque as células protetoras de Schwan que circundam os nervos, possibilitando que as enzimas comecem a degradar a mielina dos axônios dos nervos periféricos que auxiliam a garantir a recepção e a velocidade dos impulsos nervosos. Sendo assim, os sintomas comumente envolvidos são: fraqueza muscular ou paralisia, de forma ascendente simétrica e geralmente começa pelos membros inferiores de forma mais acentuada na porção proximal e posteriormente nos membros superiores; redução da sensibilidade; dor tendinosa; dificuldade de movimentação dos músculos faciais. Em casos mais graves apresenta risco à vida, devido ao acometimento dos músculos respiratórios ou da deglutição, que pode ocasionar broncoaspiração. (2,5,6)

Diante disso os nervos autonômicos também podem ser comprometidos, consequentemente muitos pacientes podem manifestar: aumentos ou redução bruscas da pressão arterial ou pulso; sudorese excessiva; constipação; retenção urinária; taquicardia sinusal e bradicardia. (5)

O diagnóstico da SGB é eminentemente clínico, por meio de uma anamnese completa, e os exames complementares são necessários para confirmar a hipótese diagnóstica e para exclusão de outras causas de paralisia flácida. Esses pacientes devem, obrigatoriamente, apresentar inequívoca fraqueza em mais de um segmento apendicular de forma simétrica, incluindo musculatura cranina. Com relação aos reflexos tendíneos distais esses podem estar mais. É essencial analisar a progressão dos sinais e sintomas, que não podem ultrapassar 8 semanas e com recuperação em 2-4 semanas após a fase de platô. Febre e disfunção sensitiva são achados clínicos que geralmente não são frequentes, devendo suspeitar de uma etiologia alternativa, de causa provavelmente infecciosa. (7)

Há critérios essências, sugestivos, diagnósticos, exclusivos dessa polineuropatia. Dentre os critérios essenciais destacam-se: (7)

  1. Fraqueza progressiva de mais de um membro ou de músculos cranianos em diversos graus, desde paresia leve até plegia;
  2. Hiporreflexia e arreflexia distal com graus variáveis de hiporreflexia proximal;

Por outro lado, os critérios clínicos sugestivos são: (7)

  1. Progressão dos sintomas ao longo de 4 semanas;
  2. Demonstração de relativa simetria da paresia de membros;
  3. Sinais sensitivos de leve a moderados;
  4. Envolvimentos dos nervos cranianos, principalmente fraqueza bilateral dos músculos faciais;
  5. Dor;
  6. Disfunção autonômica;
  7. Ausência de febre no início do quadro.

Os critérios exclusivos são: (9)

  1. Envolvimento sensorial isolado;
  2. Outra neuropatia que explique o quadro clínico;

Diversos critérios são propósitos para a definição do diagnóstico de SGB, é possível destaca-los:

  1. Presença de dois critérios essências;
  2. Presença de pelo o menos três critérios clínicos sugestivos;
  3. Ausência de mais de uma situação que reduza a possibilidade de SGB;
  4. Ausência de situação que exclua o diagnóstico da síndrome;
  5. Análise do líquor, e quando possível estudo neurofisiológico compatíveis com a doença e investigação adicional e criteriosa com intuito de afastar outras etiologias;

Além do diagnóstico clínico há o diagnóstico laboratorial realizado por meio de vários exames, como os descritos a seguir. Através da análise do líquido cefalorraquidiano, após uma semana do início da sintomatologia é encontrado uma alta concentração de proteínas e a verificação dos leucócitos, onde há poucos monoclureases, ainda pode ser observado dissociação albuminocitológica que significa aumento de proteínas acima de 1,80 mg/dl e pleocitose com 10 a 20 por mm3. (6,7)

Além disso, há o estudo eletrofisiológico que consiste em avaliar as respostas sensitivas e motoras do paciente, mostrando anormalidades que indicam a presença de desmielinização, sendo assim um diagnóstico com alta sensibilidade e especificidade. Capaz ainda, de avaliar a neurocondução motora e sensitiva; verificando a presença de bloqueio parcial da condução nervosa e redução da velocidade de condução; dispersão temporal e anormal e latência distal prolongada. (6)

O Ensaio Imunoenzimático de captura (ELISA), realizado para detectar anticorpos, utilizando gangliosídeos em placa para detectar autoanticorpos no soro do paciente, contudo é um método demorado. Assim, como é primordial que o diagnóstico seja realizado de forma precoce existem os exames complementares de segunda linha como: ressonância magnética nuclear medular, para excluir doenças inflamatórias do sistema nervoso central; raio X de tórax realizado em casos de dificuldade respiratória. (6)

Além desses exames existe uma escala de avaliação funcional do paciente afetado pela SGB denominada como F-score, com a função de avaliar a capacidade funcional do paciente, classificar o grau de debilidade, a gravidade da situação e auxiliar na decisão da conduta terapêutica. Esta escala varia de 0 à 6, onde 0) indica paciente saudável; 1) indica sinais e sintomas mínimos, onde o paciente tem a capacidade de realizar atividades coo correr; 2) indica paciente capaz de caminhar sem ajuda; 3) paciente que só pode caminhar com auxílio de suporte; 4) paciente sem capacidade de andar; 5) paciente com necessidade de ventilação mecânica e 6) morte. (6)

Essa patologia possui a evolução em fases. A primeira fase acontece no período das primeiras 24 horas após o início da sintomatologia, caracterizando-se por progressão da doença, com evolução gradual da fraqueza, ou menos frequente, de início súbito com rápido agravamento e necessidade de ventilação mecânica. Após alguns dias inicia-se a fase de platô clínico, caracterizada por estabilidade da patologia em que o indivíduo pode manifestar variações diárias de força muscular, meses depois começa a fase de recuperação inicial, e por fim, a fase de reabilitação a qual pode ocorrer em meses ou anos, ocorrendo recuperação total em alguns pacientes, enquanto outros permanecem com resíduos de fraqueza. (6,10)

Evolução para óbitos nessa síndrome é decorrente de algumas complicações: insuficiência respiratória; pneumonia aspirativa; embolia pulmonar; arritmias cardíacas e sepse hospitalar. (10)

As condutas terapêuticas objetivam acelerar a recuperação, bloqueando a resposta imune aberrante, e medidas que asseguram o adequado prognóstico do indivíduo. Os tratamentos específicos para a patologia a plasmaférese (PF) e a imunoglobulina humana intravenosa (IGIV). A plasmaférese consiste na redução de anticorpos circulantes, pois parte do sangue é retirada, separando-se o plasma das células sanguíneas, estas são devolvidas ao paciente, conseguindo assim remover grande parte dos anticorpos e outros fatores circulantes que provavelmente têm ação na patogenia da síndrome. (2,6)

Imunoglobulina humana tem benefício no bloqueio da cascata imunológica que leva a lesão nervosa. Essa opção tem sido considerada a mais adequada e de eleição na dose 0,4g/kg/dia durante cinco dias, consegue alcançar resultados similares aos da plasmaférese, contudo alcança melhor grau funcional em menor espaço de tempo e com menos efeitos adversos e limitações. A forma específica de ação desse método ainda é desconhecida, porém há evidências que as imunoglobulinas atuam neutralizando os anticorpos que bloqueiam a união neuromuscular por um mecanismo dose dependentes mediada por anticorpos. (2)

Além dessas condutas terapêuticas é fundamental que o paciente tenha acesso ao tratamento por uma equipe multidisciplinar, com profissionais fisioterapeutas, pois a fisioterapia contribui para a redução do tempo de recuperação do paciente e na prevenção das complicações que levam a necessitar de uma ventilação mecânica invasiva ou não invasiva, contribui para diminuição da mortalidade. (11)

É fundamental, que o paciente procure um profissional da saúde, pois a Síndrome de Guillain-Barré se não diagnosticada e tratada de forma precoce, pode evoluir rapidamente e suas complicações podem ser fatais.

REFERÊNCIAS

1.        Gomes WF. A influência de um programa motor associado ao treinamento muscular respiratório na polineuropatia : relato de caso. Rev Ciências. 2019;9(25):69–88. Available from: http://bibliotecadigital.unec.edu.br/ojs/index.php/revistadeciencias/article/view/521

2.        Santos SLF dos. PARÂMETROS TERAPÊUTICOS DA SÍNDROME DE GUILLAIN- BARRÉ: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA DE ESTUDOS DE CASOS. Rev Bras Pesqui em Ciências da Saúde. 2017;4(1):9–17.

3.        DAVIM RMB. SÍNDROME DE GUILLAIN BARRÉ: REVISÃO DE LITERATURA. 2010;80:1–7. Available from: http://www.fiepbulletin.net/index.php/fiepbulletin/article/view/2025

4.        Korinthenberg R, Trollmann R, Felderhoff-Müser U, Bernert G, Hackenberg A, Hufnagel M, et al. Diagnosis and treatment of Guillain-Barré Syndrome in childhood and adolescence: An evidence- and consensus-based guideline. Eur J Paediatr Neurol. 2020; Available from: https://www.ejpn-journal.com/article/S1090-3798(20)30004-0/fulltext

5.        Beneti GM. Síndrome de Guillain-Barré. Ciências Biológicas e Saúde . 2006;27(1):57–69. Available from: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/seminabio/article/view/3529

6.        Oliveira P de. Aspectos Imunológicos e Fsiopatológicos da Síndrome de Guillain-Barré. Biosaúde . 2017;19(2):81–98. Available from: http://www.uel.br/seer/index.php/biosaude/article/view/31916/25620

7.        Lima CCP, Pequeno C carvalho, Santos TA de O dos. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Síndrome de Guillain-Barré. Secr Estado Saúde Minas Gerais. 2016;0–55. Available from: https://www.hc.ufu.br/sites/default/files/tmp//05-2016_diretrizes_de_guillain_barre1.pdf

8.        Saúde M da. Síndrome de Guillain-Barré . 2015. Available from: http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2016/fevereiro/24/Guilain-Barr—–PCDT-Formatado–.pdf

9.        Greenberg DA. Distúrbios Sensoriais. In: Neurologia Clínica. Armed. 2014. p. 318–9.

10.      Alves CD, América J, Paulista CL, Carlos J, América J, Paulista CL. Síndrome de Guillain-Barré : Do desenvolvimento ao tratamento. 2010;

11.      Costa PRF, Rodrigues CS, Silva KCC da. Análise da atuação fisioterapêutica nas sequelas motoras da Síndrome de Guillain-Barré: uma revisão bibliográfica. Scire Salut . 2018;7(2):42–9. Available from: http://sustenere.co/index.php/sciresalutis/article/view/1904

O que deseja encontrar?

Compartilhe

Share on facebook
Share on linkedin
Share on google
Share on twitter
Share on email
Share on whatsapp